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Artes Visuais

A ARTE DE ARUANE GARZEDIN DISCUTE O ESPAÇO URBANO X HOMEM

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Por Reynivaldo Brito

O meu primeiro contato com a obra de Aruane Garzedin aconteceu em fevereiro de 1998 quando expôs na Galeria do Frazão, no bairro do Rio Vermelho, Salvador, obras inspiradas na praia contextualizando o espaço público e as pessoas que as frequentam. Na época escrevi um pequeno texto na minha coluna Artes Visuais, do Jornal A Tarde, e fui reencontrá-la agora já madura com uma trajetória artística consolidada. É arquiteta de formação, professora aposentada de Urbanismo e Paisagismo, da Faculdade de Arquitetura, da Universidade Federal da Bahia, com mestrado e doutorado. Além desta experiência acadêmica Aruane Garzedin trabalhou em órgãos da Prefeitura Municipal envolvida com o urbanismo e paisagismo. Também escreve versos e contos e se divide com a pintura que é o que mais nos interessa aqui. Diz que sua arte não tem um estilo próprio, mas claramente vemos que tem uma pegada expressionista e a figura humana é uma presença constante em quase todas suas telas. A figuração sem uma definição realista, mas envolvida entre linhas e camadas de tintas, às vezes monocromáticas outras não. E no jogo de seus personagens sempre tem algo com a crítica social e a defesa do espaço público  onde as pessoas se posicionam. 

A artista concentrada trabalhando numa nova obra em seu  ateliê.

Portanto, ao pintar a Aruane Garzedin não deixa de trazer seu sentimento de arquiteta e em determinado momento sentiu a necessidade de sair às ruas para se expressar nos muros da Cidade levando sua preocupação com o espaço público e privado. Escolheu a d. Nita e a vaca como personagens para sua incursão nesta arte efêmera povoando os muros da Cidade de belos grafites criativos e cheios de significação com suas mensagens. Mesmo nestas obras de rua ela propõe a discussão entre o espaço público e o privado com vistas a uma boa convivência social. Todos sabem da efemeridade das obras pintadas em muros porque quase sempre sofrem ataques, não são conservadas, os muros dão lugar a novas edificações, até mesmo uma planta ou erva daninha podem danificá-las, o que acontece com frequência. Ela lembrou que um de seus grafites localizado no bairro da Pituba foi danificado num acidente de carro que se chocou com o muro. Para sua surpresa e satisfação pessoal os moradores da casa telefonaram chamando-a para recuperar o grafite, e assim ela o fez. 

Retrato com o fundo negro e uso de poucas cores.

Mas, o objetivo de Aruane é defender o espaço urbano, calçadas mais largas, a arborização e criação de ambientes para uma saudável convivência social. A propósito a atual administração municipal vem dilapidando o patrimônio público colocando à venda várias áreas verdes, como a encosta do Corredor da Vitória e outros locais que merecem ser preservados, já que nossa Cidade é uma das menos arborizada do país.  Salvador precisa urgente de um plano de arborização para aumentar o sombreamento e melhorar o clima, defende a artista-arquiteta. Na exposição que fez em 2008 na Caixa Cultural, localizada na Rua Carlos Gomes, em Salvador-Ba que chamou de Membranas da Cidade ela escreveu: “Na tentativa de explorar e de expressar os significados da Cidade contemporânea busco inspiração nessas superfícies nuas e expostas da Cidade, ainda que sejam aquelas que mais escondem do que a mostram. O processo de apropriação social dos muros da Cidade nos fornece um caminho para uma linguagem plástica, e também para o fazer artístico e é um processo que não tem projeto e nem um fim previamente definido”.

Aí vemos as cores aparecendo, ainda timidamente .

O COMEÇO

A Aruane Garzedin nasceu em Jacobina, a 10 de dezembro de 1959 na cidade que é a porta da Chapada Diamantina, na Bahia, e lá concluiu seu curso primário onde já demonstrava seu interesse pelo desenho. Seu nome é de origem libanesa seu pai Evandro Garzedin era comerciante e sua Maria Solange Santos Garzedin. Depois de concluir o primário veio com 13 anos estudar no Colégio Maristas, no bairro do Canela, em Salvador, e ao terminar o curso colegial fez vestibular para a Arquitetura. “Na verdade, eu não sabia se que queria inicialmente fazer Arquitetura. Pensava em fazer vestibular para Artes Plásticas,”disse Aruane Garzedin. Mas sofreu algumas restrições por esta sua preferência, o que era natural na época já que ser artista não era uma profissão bem vista, principalmente pela dificuldade de sucesso, já que a arte era pouco apreciada na sociedade baiana. Ela também chegou à conclusão que por ser uma pessoa independente refletiu que se fizesse as Artes Plásticas seria mais difícil conseguir sua independência econômica. Então partiu para o vestibular de Arquitetura, e hoje é uma pessoa   independente e respeitada profissionalmente. Lembra que no início do curso teve alguma dificuldade e só foi mesmo se identificar quando passou a estudar as disciplinas Urbanismo e Paisagismo. “Foi aí que me encontrei. Porque sempre gostei das questões da Cidade, os espaços públicos, a jardinagem, as praças.” Ela até hoje tem esta preocupação com a relação dos espaços públicos e privados com sua visão de contribuir para a melhoria da convivência social na Cidade.  Acha que a Cidade tem a capacidade de melhorar ou piorar a vida das pessoas e estas preocupações estão de alguma forma presentes em suas obras.

Este belo grafite mostra uma cena que acontece no interior das residências, onde ela grafitou numa casa abandonada no bairro da Federação

A primeira experiência em Urbanismo foi quando estagiou no Plano Diretor da sua cidade natal Jacobina, depois trabalhou com o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, que fez as passarelas nas principais avenidas de Salvador e também o Hospital Sarah Kubistchek. Disse Aruane Garzedin que foi uma aprendizagem muito rica   porque visitou muitos bairros fazendo levantamentos e diagnósticos. Depois desta foi trabalhar na Companhia de Renovação Urbana de Salvador – RENURB, no bairro da Lapa, que era uma empresa de capital misto, que fazia muitos projetos urbanísticos. Ai Aruane Garzedin trabalhou nos projetos de praças e jardins da Cidade do Salvador. Fez alguns  cursos livres aqui e  fora no exterior .Integrou a equipe da arquiteta Beatriz Secco, de Brasília, e depois continuou nesta área do paisagismo na Companhia de Habitação de Salvador – COHAB e Superintendência de Manutenção e Conservação da Cidade de Salvador – SUMAC. 

Aruane fez um desenho  que reproduz e cola nos locais que deseja. D. Nita articipa de protestos a exemplo deste contra o BRT, que tem se mostrado ineficiente

Nunca trabalhou numa empresa privada. Ela acha que no serviço público sempre surgem obstáculos, interferências, é fácil engavetar e mudar o seu projeto, e que muitas vezes estas ações terminam prejudicando todo um trabalho feito com dedicação pensando em melhorar a Cidade. Como urbanista disse estar completamente frustrada pelo que vê hoje em dia em Salvador. E ao passarmos pela orla marítima mostrou alguns espaços de convivência com bancos de costas para o mar, com fileiras de coqueiros nas calçadas e outros espaços mal concebidos. Aruane acha que o coqueiro é inadequado para ser plantado numa calçada porque um coco pode se desprender e fazer uma vítima fatal e também    não gera o sombreamento tão necessário. Seria muito mais interessante o plantio de árvores adequadas que aguentem os ventos e a maresia, as quais dariam sombreamento e melhoria à convivência social entre as pessoas. Defende também que algumas calçadas são muito estreitas e precisam ser alargadas para dar mais espaços aos moradores , inclusive aos cadeirantes, e ser um local de conversa. Entende que temos que arborizar esta Cidade e a necessidade de conscientizar as pessoas sobre a importância das árvores. “Com as árvores  podemos colocar bancos para as pessoas conversarem, para que aja um entrosamento maior entre os moradores e melhor uso do espaço público na Cidade”.

Este grafite na Pituba ela teve que refazer  por solicitação do morador após ter sido danificado por um acidente de trânsito

Informou ainda que o conflito e a preocupação com a acessibilidade começaram a existir principalmente da década de 80 para cá. Ela concorda que algumas árvores que foram plantadas por Guilhard Moniz especialmente as amendoeiras e barrigudas poderiam ser erradicadas, mas para isto é preciso ter um planejamento de reposição imediata de outras espécies e com mudas com 1,80 m de tamanho mais adequadas ao espaço urbano. Mesmo reconhecendo que as amendoeiras sujam muito com suas folhas que caem e os frutos que atingem muitas vezes as pessoas e carros, mas que elas amenizam o clima com seu sombreamento. “Veja quando temos umas três amendoeiras juntas num dia de sol a gente sente que debaixo delas o clima fica mais agradável”, adianta Garzedin. É verdade!

 Obra em acrílica sobre tela da exposição Membranas da Cidade, de 2008

SUA ARTE

Aruane Garzedin   já passou por algumas fases e  sua pintura tem uma coisa do figurativo e tendendo ao abstrato. Procura incorporar outros elementos e gosta de trabalhar as texturas com camadas de tintas. “Minha pintura tem algo do clima, algo psicológico de me interessam, algo que evoca algumas coisas que estão até fora daquele desenho”, disse Aruane Garzedin. Falou ainda que sofreu a influência de alguns artistas entre eles o holandês Rembrandt quando ela pintou alguns retratos, no começo da sua carreira de artista plástica . Lembrei que a presença de tons escuros tem muitas vezes influência do psicológico que o artista está vivendo quando de suas pinturas. O Rembrandt foi o maior pintor holandês de todos os tempos (16006-1669) e usava uma técnica com um fundo escuro da tela, sobressaindo o retrato, apresentando uma dramaticidade das figuras humanas que pintava. Usava também temas bíblicos e mitológicos, com detalhes das joias e vestimentas, e outra característica é que gostava de pintar em telas menores. Também citou o austríaco Egon Schiele (1890-1918) e suas obras tem a presença da sexualidade explícita. Ele produziu vários autorretratos, inclusive em alguns aparece nu, e suas obras mostram corpos contorcidos, o que é uma das características marcantes de sua produção, e é tido como um dos expoentes do início do expressionismo. Porém, entendo que sua arte é expressionista, este movimento de vanguarda que surgiu na Alemanha a partir de 1910 que traz uma forte crítica sociopolítica e pinta com mais liberdade sem a preocupação de mostrar a figura real. Usa camadas de tinta, empasta tudo de acordo com seus sentimentos e sua sensibilidade.

Veja este pequeno texto extraído da apresentação feita pelo saudoso poeta Ildásio Tavares quando ela expôs no Centro Cultural da CEF :”Todo processo de expressão da arte consiste numa metaforização do real em que a verdade final  (que o artista pretende mostrar) passa por um maior ou menor distanciamento da realidade contingente; sofre uma maior ou menor distorção em seus componentes, reordenados e reagrupados para ganharem um sentido novo, mais verdadeiro que o real, vez que este se escuda em falsas aparências e ao oferecer uma vida melhor para o ser humano, todavia limitam-na; diminuem-na; estrangulam-na nas angústias do cotidiano”.

Obra da série Praias onde a artista pintou uma cena do cotidiano das praias baianas

A personagem D. Nita que criou ao grafitar os muros da Cidade do Salvador tem até perfil no Instagram, onde estão seus principais grafites e segundo este perfil “é filha de Oxum, não gosta de muros e nem de preconceitos. Amorosa e corajosa, era do lar, agora vai pra rua defender o meio ambiente e a democracia”. Esta personagem já participou de exposição em São Paulo, no Instituto Tomie Otake e também de protestos de rua defendendo as árvores contra este ineficiente BRT construído em pleno século XXI. Claro que vemos uma perfeita identificação entre a artista e a personagem que criou, parece que ela ao sair às ruas grafitando se sente a própria D. Nita. Também quando Aruane Garzedin grafita suas vacas ela está fazendo a interface entre o rural e o urbano. As vacas precisam de espaço para andar e pastar enquanto os habitantes da Cidade precisam não apenas do seu lote onde está construída sua casa ou apartamento, eles necessitam sair e andar em calçadas largas e adequadas à acessibilidade. As calçadas também são locais de conversas, de jogar uma dama, comer um acarajé, um milho cozido, tomar uma água de coco. Para isto é preciso também arborizar a Cidade adequadamente com espécies que suportem o clima de uma Cidade que tem temperaturas altas e talvez a maior orla marítima no seu perímetro urbano. Portanto, enquanto pinta a Aruane Garzedin pensa em nossa Cidade e sua preocupação é pela melhoria da convivência social e em consequência a qualidade de vida das pessoas.

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

Fez sua primeira individual a Escola de Belas Artes e a última em 2008, na Espanha. Vejamos: 2008 – “Membranas da Cidade”, na Caixa Cultural, em Salvador-Ba; 2000 – Matinada Galeria de Arte Barcelona – Espanha; 1999 – Centro Cultural Casals Sarrià Org. Associação Jovens Artistas, Barcelona – Espanha; 1998- Frazão Galeria de Arte Salvador – Ba; 1995 – Galeria ACBEU Salvador- Ba; 1992 – “O Artista em Destaque” Escola de Belas Artes – UFBA, Salvador- Ba. Ao lado vemos uma reprodução da capa do catálogo de sua exposição  em 1995 ,  na ACBEU.

Esta gravura ela fez durante um curso livre no Parque Lage, no Rio de Janeiro

EXPOSIÇÕES COLETIVAS

Já tem registradas várias participações em exposições coletivas aqui e fora do país a saber: 2018-  Leituras e Feituras / O Livro de Artista Árvore – Cooperativa deAtividades Artísticas, Porto, Portugal; 2017 -Livro de Artista,  Centro de Memória do IPAC, Salvador – Ba; 2016 –  Livro de Artista, Exposição Internacional Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador -Ba ; 2016 –  2ª edição do Festival de Graffiti Bahia de Todas as Cores – BTC, Madre de Deus, BA; 2014 –  Triangulações Circuito das Artes, Instituto Goethe, Salvador- Ba ; 2009-  Exposição 2.234 Brasil – Argentina – EUA – França – Espanha – Itália – Inglaterra, Centro Cultural Casarão, Salvador – Ba: 2009 – Arquitetos Artistas Museu de Arte Sacra, Salvador- Ba; 2009 –  Mulheres em Movimento – 2ª edição”, Galeria Cañizares , EBA /  UFBA, Salvador- Ba; 2008 –  Grandes artistas em pequenos formatos, Curadoria Prova do Artista, Museu Regional de Arte – UEFS, Feira de Santana – Ba ; 2005 –  VI Mercado Cultural da Bahia, Aliança Francesa, Salvador – Ba;  2004 –  Arte em Revezamento , Curadoria Matilde Matos, EBEC Galeria de Arte, Salvador – Ba;  2001 –  Exposição 500 anos do Descobrimento da Baía de Todos os Santos, Teatro Gregório de Mattos, Salvador- Ba; 2001 – Sete Caminhos Museu Náutico, Salvador- Ba ; 1997 –  Porto da Barra Espaço Cultural Telebahia, Salvador – Ba ; 1995 –  Projeto Persianas Criativas Shopping Barra, Salvador- Ba;  1995 – Janelas Casa do Benin, Salvador- Ba e em  1994 –  Bahia Arte Atual, Teatro Gregório de Mattos, Salvador – Ba.

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