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Artes Visuais

A ARTE VISCERAL E EMOTIVA DE RAMIRO BERNABÓ

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Ao olhar uma escultura,pintura ou desenho de Ramiro Bernabó você não consegue tirar os olhos ou passar batido, como se diz numa conversa singular, porque os cortes rudes e os traços densos nos prendem como se fossem imãs e nos convidam a examiná-los com mais cuidado àquelas obras tridimensionais e suas pinturas e desenhos repletos de imagens coloridas. A madeira usada revela nos cortes profundos e irregulares que foram feitos usando uma energia diferenciada que precisou sair do seu interior e se libertar. Os cortes foram feitos com força e raiva e lembram um lenhador imerso numa floresta densa obrigado a usar toda sua capacidade física para vencer as dificuldades que se apresentaram. O mesmo acontece com os desenhos do artista e vemos claramente que aqueles traços largos foram feitos num momento onde a gesticulação foi impulsionada por uma energia que saiu do seu interior como as águas incontroláveis que viajam pelos campos durante uma tempestade. Diria que é um trabalho visceral, um trabalho cheio de emoção onde o artista se sente impelido a deixar registradas suas angústias e seus dissabores como uma catarse em busca da paz. São como momentos dramáticos de uma peça teatral e o resultado merece que todos se levantem e gritem bem alto Bravo! Esta saudação de Bravo deixo aqui registrada para o conjunto da obra de Ramiro Bernabó. Suas esculturas monumentais antropomorfas nos encantam e ao mesmo tempo nos levam a questionar as incertezas e oscilações da vida. São obras de presenças fortes e vigorosas e de uma expressividade à toda prova.

Esculturas na sua residência.


Ramiro Bernabó consegue imprimir na madeira e no papel com seus desenhos as digitais das suas angústias e os conflitos que permeiam a sua existência. Não tem telefone celular, e-mail e não usa redes sociais. Vive como um ermitão num espaço rodeado por um pedaço de Mata Atlântica e com suas esculturas de barro e madeira espalhadas pelos cantos e algumas na vegetação que teima em envolve-las. Seu mundo transita entre a mata e o mar. Sua casa plantada no meio a um pedacinho da floresta fica em Patamares, bairro da orla de Salvador e o artista tem também uma predileção pelo mar. Por diversas vezes disse que sempre gostou de mergulhar e apreciar os peixes que povoam a orla de Salvador e são presenças constantes em seus desenhos e esculturas . Gosta também de registrar seus momentos em poemas e mais recentemente num caderno onde diariamente escreve como está se sentindo e os fatos que vivenciou naquele dia. Quando conversamos chegou a ler por alguns minutos trechos deste seu diário que na verdade revela a essência de sua existência.

Nesta foto de Pierre Verger, de 1950, vemos Nancy, Ramiro e Carybé na festa da Conceição da Praia, em Salvador

SUA TRAJETÓRIA

O escultor e pintor Ramiro Bernabó carrega consigo o fardo de ser filho de Carybé um dos mais festejados artistas em nosso país que viveu em Salvador durante décadas e aqui construiu e consolidou sua carreira artística. O Ramiro também nasceu em Buenos Aires, no bairro do Palermo, em 6 de maio de 1947. Seu pai foi morar com sua mãe Nancy Colina Bernabó num antigo apartamento juntamente com um irmão e irmã do esposo na Rua Urgatete. Quando Ramiro tinha três anos de idade migraram para o Brasil no ano de 1970. Ele cresceu vendo seu pai, e os amigos Jenner Augusto, Carlos Bastos, Floriano Teixeira, Mirabeau Sampaio, Pancetti e outros artistas daqui trabalhando, especialmente o Mário Cravo Junior, fazendo suas esculturas de ferro fundido, aço inoxidável e madeira. Tornou-se muito amigo do seu filho o fotógrafo Mário Cravo Neto, já falecido. É um autodidata e o gosto pela arte se materializou na década de 60, e em 1967 fez sua primeira exposição de desenhos na Galeria Álvaro Santos, em Aracaju, Sergipe. Em 1988 ganhou o prêmio Copene de Cultura e Arte e de lá já fez várias exposições individuais e coletivas aqui, em outros estados e até fora do país.

Ramiro sentado numa cadeira-escultura na sala especial que também é umaescultura gigante.

Na conversa que tivemos Ramiro lembrou que vieram para a Bahia no navio da companhia de navegação Blues Starline. Disse que quando passou a entender tomou um choque cultural com as praias, as coisas do Mercado Modelo, as festas populares, os bondes e os pescadores. Foram morar num casarão no Largo de Santana, no bairro do Rio Vermelho, e ali fez sua primeira amizade com o Roque, não lembra o sobrenome, mas falou que ele tinha uma rinha de galo nos fundos de sua casa. Naquela época era normal as pessoas colocarem os galos para brigar até que o presidente Jânio Quadros, em 18 de maio de 1961 através de um decreto proibiu a rinha de galos em todo o país. Ramiro fez amizade também com Manolo, que era filho do senhor chamado de Jesus, dono da Padaria do bairro. Visitou os ateliês de Pancetti, em Itapuã, e de Raimundo Oliveira, dentre muitos outros. No domingo seu pai costumava leva-lo para assistir os desenhos animados no Cine Guarany. Disse que presenciou Carybé fazer suas gravuras em metal na sua casa do Rio Vermelho para o livro Macunaíma, que hoje é uma raridade bibliográfica. Foram impressos apenas cem exemplares, e um exemplar pode valer mais de duzentos mil reais. Conheceu o Mário Cravo Neto, chamado de Mariozinho, quando já estava com cinco anos de idade e a amizade se consolidou na adolescência. Recordou que durante a adolescência ele e Mariozinho fizeram uma coleção de insetos incentivado por Octávio Mangabeira Filho, Otavinho. “Íamos aos domingos para o bairro da Graça e ele nos ensinava a guardar os insetos em caixas apropriadas. Depois quando adultos cada um foi para um lado. Tive muitos poucos amigos e passei a ocupar o meu tempo já em 1967 para cá fazendo minha arte e assim enfrentava o meu tédio. Neste período conheci os cineastas André Luiz de Oliveira e Rogério Duarte e entramos neste negócio de Tropicália. Foi um período complicado porque a juventude passou a usar drogas. Hoje tudo mudou estou imerso na arte fazendo minhas esculturas e meus desenhos. A arte evita que eu entre numa depressão. Tem uns que preferem viver imersos em dinheiro.” confessa Ramiro Bernabó.

Vemos seis pinturas em papel com cenas noturnas , paisagem , cotia e abstratos.

Fez o segundo grau no Colégio Dois de Julho,em Salvador-Ba e em seguida foi aprovado no vestibular para a Faculdade de Arquitetura, da Universidade Federal da Bahia. Não passou do primeiro ano porque inconformado com as constantes greves terminou abandonando o curso e nunca mais voltou.

O Mário Cravo Neto que tinha a mesma idade do Ramiro Bernabó nasceu em 20 de abril de 1947, faleceu em 9 de agosto de 2009.

Escultura de Ramiro Bernabó, no condomínio onde reside

Contou ainda que nos anos de 1973-4 conheceu um rapaz que fazia letreiros em pranchas de madeira e resolveu experimentar. Assim iniciou criar letreiros em madeira e daí em diante percorreu o caminho natural passando a fazer suas esculturas. A primeira foi em 1983 com um pedaço de cedro que tinha sobrado de uns murais que seu pai Carybé tinha feito. Gostou e de lá para cá já fez centenas de esculturas de todos os tamanhos e formas,usando vários tipos de materiais e ferramentas . Recordou que certo dia viu um homem cortando uma jaqueira com uma motoserra no bairro de Brotas , em Salvador. Aí resolveu comprar o tronco e posteriormente adquiriu uma motoserra para trabalhar. Neste interim soube que estavam derrubando umas árvores no bairro do Candeal,também em Salvador. Se dirigiu até o local e conseguiu pegar vários troncos que lhes serviram para fazer muitas esculturas e móveis de arte.

Ramiro com o diário onde registra suas atividades e sentimentos.

Continuando a conversa Ramiro Bernabó olhou para o lado e apontou o dedo indagando: “Está vendo aquela poltrona-escultura ali? Ela foi feita com um tronco de um oitizeiro gigante que peguei no Candeal”. Também mostrou a escultura de um peixe que está ainda finalizando, utilizando de uma pedra dessas usadas para fazer meio fio das ruas da Cidade. Afirmou que encontrou a pedra abandonada no bairro de Itapuã, e como era pesada precisou de ajuda para recolher e trazer para seu ateliê. Notou que quando foram buscar a tal pedra alguns moradores ficaram observando e meio chateados, mas faz questão de dizer que a pedra estava ali abandonada e sem qualquer utilidade. Disse que atualmente para ele é mais fácil trabalhar com pedra do que com madeira. Outro momento interessante desta sua trajetória é que esteve recentemente numa pedreira na cidade de Milagres, no interior da Bahia, e começou a fazer uma escultura gigante num bloco de pedra pesando algumas toneladas. O seu projeto era fazer um furo no bloco de pedra de dois metros por dois metros pesando umas vinte toneladas criando uma escultura. Mas, teve que abandonar o projeto porque alguns trabalhadores cismaram com aquilo e começaram a achar estranho. Disse Ramiro Bernabó que devem ter pensado assim: “Aquele cara branco veio aqui para furar uma pedra? Outros acharam que era coisa de bruxaria.” Disse que gastou uns dez mil reais alugando gerador e máquinas para fazer a escultura, mas que abandonou o projeto. ” A ideia era trazer a escultura para cá”,lamenta o artista.

Ramiro mostra pintura em papel


Como podemos ver a trajetória de Ramiro Bernabó tem caminhos próprios e assim ele vem construindo sua identidade como artista se distanciando do que seu pai fazia. Suas obras têm este distanciamento e identidade autoral. Num texto escrito por seu pai Carybé para uma exposição ressaltou o seguinte: “Ramiro viveu, num ateliê. Desde pequeno a figura do tio Roberto, a magia dos desenhos saindo da ponta do pincel, a música nas cores da paleta misturando, virando outras cores e o pai também lidando com esses mistérios num espetáculo diário que foi acendendo sua curiosidade. Já na Bahia com o grupo renovador das artes e em segunda casa, a casa de Mário Cravo conviveu com o som da escultura, a pancada do macete na goiva, o fritar da solda, o chiar da serra, a marcação do machado, o ferro na bigorna imitando a araponga; podia estar tirando uma jaca, mas pelo ruído, sabia se se tratava de um Exu de ferro ou se de um tronco estava saindo enorme, gigantesco o Conselheiro pregando em fúria, Lampião, uma carranca, sereias ou Aganjú.

Ramiro com esculturas de cerâmica no terreno de sua casa


Dentro dele todos esses personagens pintados nas paredes ou saídos de troncos, do fogo das forjas, de ferro ou de pau, coloridas, vivendo nas telas ou no papel forma-se acomodando-se, tornando familiares, amigas, seu material de sonhos, o mundo silente de peixes no fundo do mar, algas, corais formaram uma potência, um extrato que um dia chegou a suas mãos e saiu mundo afora. Ramiro é autodidata. Vivendo e vive e viveu rodeado de artistas não pediu emprestado a ninguém, num confronto constante de seu mundo e o mundo que rodeia, observa, indaga, analisa e, quando dá um passo é um passo seguro com o respaldo de soluções achadas e resolvidas em carne própria, uma alegria”.
E o saudoso escritor Jorge Amado também escreveu um texto que aqui transcrevo um pequeno trecho. “Tive a possibilidade de entender a origem da arte de Ramiro, o cerne de sua criação, quando me foi dado ler, em prova de amizade e confiança, alguns poemas de sua autoria: o mundo dramático do artista se desnuda nos versos onde coração e tripas estão expostos, carne dolorida, peito aberto. A afirmação da arte de Ramiro coloca-nos diante de uma conquista realizada e com extrema consciência, de uma vitória obtida em luta sem quartel – a arte custa ao criador o preço alto, mas vale a pena” ….

Ramiro gosta de tocar tambores no ateliê, tendo ao fundo seu colega Leonel Mattos


Vejam este poema Mata de autoria do Ramiro Bernabó: “Era um dia de nuvens, era uma manhã, /o homem subia o morro, o barro grudado nos sapatos/os frutos no chão e a terra vermelha. /As borboletas pousam na sua camisa /como que perdidas, perplexas de ver seu mundo acabar./Os insetos esvoaçam encima das frutas, enlouquecidos,/ moscas,vespas e formigas como ébrios perdidos./ Esse morro que era verde com mil plantas/ agora deixa de ser seu âmago./ Seu mundo acabou para sempre./Seu microssistema deu lugar à ruas de lama./ As mariposas voam ao redor como dizendo:/ Somos amigas, somos boas, ou talvez busquem o suicídio/ asas azuis com bolinhas pretas / confundiram o homem com a árvore./ Enquanto os micos pulam buscando um novo lar,/ um besouro sai dos troncos caídos,/ abrindo as asas se coçando todo./Estranho tanta vida, tantos pequenos dramas,/ tantos pedidos no ar./ E lá no fundo os edifícios testemunham estáticos/ uma destruição que ninguém vê.”

Ramiro com autorretrato ainda por terminar.

EXPOSIÇÕES

Entre as exposições estão: 1967 – Exposição de Desenhos na Galeria Álvaro Santos, Aracaju-SE ; 1972 – Exposição de Gravura em Metal, no Museu Regional de Feira de Santana-BA; 1973 – Exposição Desenhos, em A Galeria, São Paulo-SP; 1975 – Exposição de Gravuras e Desenhos com Carybé, em A Galeria, São Paulo-SP e Exposição de Desenhos e Esculturas , no Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador-BA; 1977 – Exposição de Gravura em Metal, na Galeria da Pousada do Carmo, Salvador-BA; 1979 – Exposição de Gravura em Metal, na Galeria ACBEU, Salvador-BA; 1981 – Exposição Gravuras em Metal, na Kattya Galeria de Arte, Salvador-BA; 1982 – Exposição de Gravuras, na Galeria de Exposiciones Petroperu, em Lima, no Peru; 1986 -Exposição de Desenhos, na Galeria O Cavalete, em Salvador-BA; 1988 – Exposição de Esculturas e Pinturas, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, MASP – São Paulo-SP; 1990 – Exposição de Pinturas a Óleo, na Galeria Bonino, no Rio de Janeiro-RJ; 1993 – Exposição de Esculturas em Madeira, no Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador-BA; 1995 – Exposição de Esculturas em Madeira, no Terminal Rodoviário de Salvador; 1996- Exposição Mobiliário em Madeira, na Casa Cor, Salvador-BA; 1997 – Exposição da Escultura em Madeira, no Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador-BA; 1998-Exposição da Escultura Floresta Construída, no Liceu de Artes e Ofícios, Prêmio COPENE de Cultura e Arte; 2000- Exposição no Parque de Esculturas , da escultura Arte da Mata, Itacaré-BA; 2001 – Exposição de Cerâmicas, na Galeria da Aliança Francesa, Salvador-BA; 2004 – Exposição Coleção Metrópolis de Arte Contemporânea , no Espaço Cultural CPFL, em Campinas-SP; 2006/2007 – Exposição Viva a Cultura Viva, no Museu Afro Brasil de São Paulo-SP; 2007 – Exposição Comemorações , na Galeria da EBEC , Salvador-BA e em 2018 – Exposição Matéria Onírica, no Museu de Arte da Bahia, Salvador-BA.

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