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Opinião

Análise Filosófica do Poema “Em linha reta” de Fernando Pessoa: Um Paralelo com a Contemporaneidade

Alia Ferreira

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Por Aliã Ferreira

Fernando Pessoa, um dos mais proeminentes poetas do século XX, é célebre pela criação de heterônimos que exploram diversas facetas da experiência humana. Entre eles, Álvaro de Campos se destaca por seu tom futurista e introspectivo. O poema “Em linha reta”, atribuído a Campos, oferece uma rica reflexão filosófica sobre a autenticidade, a alienação e a natureza da existência humana. Esta análise é particularmente relevante quando contrastada com a sociedade contemporânea.

O poema inicia com uma declaração contundente: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.” Essa observação, carregada de ironia, aponta para a falta de autenticidade nas relações humanas. Para Campos, a ausência de vulnerabilidade nos outros é um sinal de que a sociedade valoriza a aparência de perfeição acima da honestidade emocional.

Na contemporaneidade, essa busca pela autenticidade é ainda mais pronunciada. Em uma era dominada pelas redes sociais, onde a curadoria das próprias vidas é constante, a aparência de perfeição é frequentemente promovida. A pressão para exibir sucesso, felicidade e realização é intensa, levando muitos a esconderem suas vulnerabilidades e fracassos. Essa situação reflete as ideias existencialistas de filósofos como Jean-Paul Sartre, que argumenta que a má-fé (mauvaise foi) é um estado de autoengano onde os indivíduos se escondem atrás de papéis sociais para evitar confrontar a liberdade e a responsabilidade de suas próprias existências.

A alienação é outro tema central em “Em linha reta”. O eu lírico sente-se isolado em um mundo onde todos fingem ser algo que não são. Esse sentimento de alienação é expresso através da repetição: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada… / Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…”

Heidegger, em sua obra “Ser e Tempo”, descreve a alienação como uma consequência da vida inautêntica, onde os indivíduos se perdem no “Eles” (Das Man), conformando-se às expectativas sociais ao invés de viverem de acordo com sua própria essência. Na era digital, essa alienação é exacerbada pela constante comparação com os outros e pela pressão para conformar-se a normas sociais que são frequentemente irreais e inalcançáveis. A desconexão entre a vida apresentada nas redes sociais e a realidade cotidiana pode levar a um profundo sentimento de isolamento e inadequação.

O poema de Campos também pode ser interpretado através da lente de Søren Kierkegaard, que explorou a angústia e o desespero como elementos centrais da condição humana. Kierkegaard sugere que o desespero surge quando o indivíduo não consegue reconciliar sua existência com seu verdadeiro eu. Em “Em linha reta”, Campos expressa um desespero semelhante ao reconhecer a inautenticidade das pessoas ao seu redor e a dificuldade de encontrar alguém que compartilhe suas próprias inseguranças e fracassos.

Na contemporaneidade, a inautenticidade é frequentemente mascarada pelo culto à imagem e pela superficialidade das interações online. As pessoas são incentivadas a mostrar apenas os aspectos mais positivos de suas vidas, criando uma dissonância entre o eu real e o eu projetado. Esse desespero e angústia são exacerbados pela sensação de que todos ao redor estão vivendo vidas perfeitas, enquanto a própria experiência é marcada por falhas e vulnerabilidades.

A expressão “em linha reta” sugere um desejo de simplicidade e honestidade, um retorno a uma forma mais genuína de viver. Esse ideal lembra a filosofia de Friedrich Nietzsche, que critica a moralidade convencional e a hipocrisia da sociedade em favor de uma vida vivida de acordo com a própria vontade e essência.

Na era digital, a busca por simplicidade e autenticidade enfrenta o desafio das distrações constantes e da sobrecarga de informações. O desejo de viver “em linha reta” contrasta com a complexidade e a superficialidade das interações mediadas pela tecnologia. No entanto, essa busca também se manifesta em movimentos contemporâneos que valorizam a autenticidade e a rejeição das expectativas sociais irrealistas.

“Em linha reta” é um poema que oferece uma profunda reflexão filosófica sobre a autenticidade, a alienação e a natureza da existência humana. Através da voz de Álvaro de Campos, Fernando Pessoa explora a tensão entre a aparência e a realidade, desafiando os leitores a confrontarem suas próprias inautenticidades e a buscarem uma vida mais genuína.

Essas questões são ainda mais relevantes na sociedade contemporânea, onde as redes sociais e a cultura da imagem amplificam a pressão para conformar-se a padrões de perfeição. O poema convida os leitores a refletirem sobre suas próprias vidas, a reconhecerem suas vulnerabilidades e a buscarem uma existência mais autêntica, mesmo em um mundo que muitas vezes valoriza a superficialidade e a aparência.

Ao fazer isso, Pessoa alinha-se com algumas das principais correntes filosóficas do século XX, fornecendo uma análise perspicaz e atemporal da condição humana que continua a ressoar profundamente com os desafios e dilemas da vida moderna.

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